A ideia é compreender os motivos pelos quais são tão frequentes em reclamatórias trabalhistas os pedidos relativos a acúmulo ou desvio de função por pessoas que tenham trabalhado em laboratórios de análises clínicas.
Nossa experiência de tantos anos junto aos Laboratórios nos permite a convicção de que é comum que colaboradores, sobretudo aqueles voltados ao atendimento e recepção, acabam, por vezes, por desempenhar, também, atividades de natureza eminentemente administrativa.
Isto é: o colaborador é contratado para um determinado cargo e para determinadas funções e, após determinado tempo, passa a desenvolver atividades complementares, invariavelmente por solicitação do empregador, o que acaba por qualificar uma situação de acúmulo ou desvio.
A questão primordial é que estes dois pontos se classificam como “inovações” no contrato de trabalho: se o acúmulo representa atividade desenvolvida pelo trabalhador desde a sua contratação, então não se qualifica com incremento que deva ser remunerado de maneira diferenciada.
O acréscimo salarial por acúmulo de funções – pleiteado em processos trabalhistas – somente é cabível nos casos em que existe uma alteração substancial ou, ainda, um incremento nas atividades para as quais o colaborador foi contratado, indicando a ocorrência de novação contratual. Na hipótese dos autos, quanto ao trabalho de office girl.
Em muitos casos, profissionais de postos de coleta, por exemplo, alegam o exercício de atividades de caixa, conferencista e recepcionista. É claro que o profissional dedicado às atividades de coleta em um “posto de coletas” de um laboratório de análises clínicas atua, inclusive, na recepção, acompanhamento e preparação do paciente/cliente para exame; não pode ser reconhecida qualquer irregularidade na forma como contratada.
É evidente que, dentre as atividades da Coletadora e da Recepcionista, por exemplo, inclui-se o atendimento aos pacientes, o que envolve recebê-los, encaminha-los para sala de coleta, preencher documentos correspondentes; não existe o desempenho de funções de maior complexidade do que aquelas pertinentes aos correspondentes cargos.
Não se pode supor, obviamente, que um trabalhador dedique-se exclusivamente a uma única função, ainda mais considerando-se que a rotina do laboratório é muito dinâmica. Por exemplo: há momentos em que não há pacientes para realização de coleta de sangue, períodos estes em que o Coletador pode estar preenchendo documentos, faz atendimento no balcão, etc.
O fato é que não podem haver inovações não remuneradas de forma diferenciada durante a relação laboral. Além disso, é essencial que o trabalhador esteja ciente de todas as atividades que envolvem o cargo para o qual está sendo contratado, sendo importante, ainda, que no próprio contrato de trabalho, sejam enumeradas todas as possíveis atribuições do empregado.
Nossa Legislação Trabalhista não apresenta qualquer previsão direta que venha a regular os institutos do desvio e acúmulo de função. De outro lado, os pedidos de “plus” (complementação salarial) baseiam-se nas disposições do art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual nos traz:
“Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
Entenda-se que ao tratar de “contrato de trabalho”, a norma não se refere exclusivamente ao documento escrito, mas, também, à relação de trabalho propriamente dita, até mesmo porque prevalece o princípio do contrato realidade, em que a realidade da prestação laboral se sobrepõe aos registros formais.
A partir disso, percebe-se que toda e qualquer alteração nas relações de trabalho somente terá validade quando de consentimento recíproco. Com isso, havendo uma alteração – novas atividades – determinada pelo empregador e sem prévio acordo, acaba por trazer prejuízos ao trabalhador, pelo que, em tese, encontraria cabimento a concessão judicial de um plus salarial.
Eis mais uma situação corriqueira em qualquer Laboratório e que pode se constituir na origem de um passivo trabalhista oculto, perigosamente capaz de trazer consideráveis prejuízos ao empregador.
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Daniel Correa Silveira, é Advogado Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Proprietário da Daniel Correa Assessoria Jurídica Laboratorial, Assessor Jurídico da LAS-Laboratórios Associados.
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