Dra. Ionara Köhler (à esq.), Dra. Vera Maria Santafé da Costa (centro) e
Dra. Cristiani Gomes de Marques (à dir.)
O Laboratório de Análises Clínicas Carlos Franco Voegeli, localizado em Porto Alegre na Santa Casa de Misericórdia, é um grande exemplo de como os valores e o profissionalismo dos colaboradores são capazes de fazer a diferença nos resultados alcançados pelo laboratório e na vida dos pacientes. Dirigido, atualmente, pela Dra. Vera Maria Santafé da Costa, o laboratório recebeu o nome do Dr. Carlos Franco Voegeli, visando homenagear esse grande gestor que dedicou grande parte da sua vida a transformar o laboratório na incrível potência que é hoje. Com uma média de 350.000 exames/mês, e contando com aproximadamente 145 funcionários, o laboratório atende 9 hospitais e realiza mais de 98% da rotina internamente.
Fomos recebidos pela Dra. Vera, que integra o corpo de colaboradores desde 1987 e que é a atual responsável técnica e administrativa do Laboratório, e pelas farmacêuticas Dra. Cristiani Gomes de Marques e Dra. Ionara Köhler, supervisoras integrantes da equipe, para uma entrevista que nos enche de orgulho e nos inspira a continuar escrevendo para o blog. Confira!
O Dr. Carlos Voegeli, que faleceu há 3 anos, deixou um legado inestimável. Quais foram os principais pontos que possibilitaram esse legado e como foi conquistada a posição de referência nacional em análises clínicas?
Desde que comecei a trabalhar no laboratório, na década de 1980, os esforços na busca da qualidade eram individuais e não havia uma padronização de processos. Quando o Dr. Carlos Voegeli assumiu a direção em 1991, com os esforços das mesmas pessoas que já se encontravam trabalhando no laboratório, foi se desenhando formalmente os processos e uniformizando a forma de trabalho. Foram criados os cargos de supervisores nas áreas técnica, administrativa e de qualidade, com controles estatísticos e reuniões periódicas. Quando alguém do corpo médico ou da enfermagem fazia crítica ao laboratório, investigávamos os motivos para melhoria do atendimento.
Estreitamos o nosso relacionamento com os médicos quando passamos a notificar, por telefone, os resultados críticos. No começo houve estranhamento, mas com o tempo a cultura foi tão disseminada que, agora, os médicos nos cobram a ligação.
Atacamos os principais pontos, a serem melhorados, com pesquisa, capacitação e muito trabalho. Hoje, se por algum motivo, o profissional não possa realizar suas atividades, temos a certeza de que outro às fará com a mesma qualidade. Nosso processo de sucessão no laboratório já prevê a transmissão dos valores, do credo administrativo e a manutenção do padrão de trabalho.
Esses esforços nos deram internamente o título informal de “locomotiva”, no trem da qualidade da Santa Casa e, através dos valores implantados conseguimos muitos avanços tecnológicos e de equipamentos. Felizmente, a semente deixada pelo Dr. Carlos Voegeli germinou, e, além de uma equipe propagadora dos seus ensinamentos, o Laboratório possui mais de uma área de referência, atendendo desde clientes SUS aos particulares com a mesma qualidade assegurada.
Dr. Carlos Franco Voegeli
Como se manter competitivo, atendendo tabelas de convênios e SUS tão desvalorizadas?
É preciso trabalhar com profissionalismo, ter visão técnica, administrativa e empresarial. Precisamos dar lucro, pois do contrário não sobreviveremos. É de fundamental importância a gestão cuidadosa da relação custo/benefício e da racionalização dos processos laboratoriais para obtermos êxito neste requisito. A margem de contribuição por exame realizado é relativamente pequena e precisamos ter preços competitivos no mercado dos exames particulares, já que certamente o cliente vai procurar mais de um laboratório para orçar os seus exames. Com isso, a gestão laboratorial se tornou desafiadora, não só pela qualidade técnica, mas como uma forma de continuar existindo, mesmo em condições econômicas desfavoráveis.
Por outro lado, se o laboratório não primar pela qualidade, perderá espaço pela falta de confiabilidade. Assim, deve existir um equilíbrio entre preço adequado e custo com qualidade, considerando não somente insumos de primeira linha, mas também mão de obra qualificada para manter a constância do trabalho realizado.
O paciente particular pode ser uma saída economicamente viável?
Nem sempre. O atendimento a clientes particulares não deve ser a única saída. Devemos desmistificar o cliente particular como sendo aquele que tem dinheiro. Pelo contrário: quem possui condições financeiras tem acesso a um bom plano de saúde para realizar todos os procedimentos que garantem a sua qualidade de vida. Hoje os clientes particulares são aqueles que não possuem nenhum convênio e que não podem esperar pelo SUS para serem atendidos. Muitas vezes, é um paciente com câncer, com uma doença grave ou que precisa de uma cirurgia de emergência. Por isso, aqui na Santa Casa, criamos um pacote de procedimentos chamado Pacote Social. Esta modalidade de atendimento tem valor acessível e com a possibilidade de parcelamento para facilitar o seu pagamento.
Vocês percebem a resposta do mercado quando há investimento em qualidade?
Com certeza! Já tivemos muitas surpresas positivas de relatos de clientes comentando que seus médicos indicam o nosso laboratório, pois tem confiança nos nossos resultados. Não tem feedback melhor do que esse. Talvez, o único ponto em que pecamos seja no momento de fazer marketing próprio, divulgando as qualificações do laboratório. Mesmo assim, temos orgulho de pertencer a um laboratório tão valorizado pela classe médica.
O que muda em um laboratório de hospital?
O laboratório de um hospital deve estar apto a fornecer respostas fidedignas e rápidas principalmente para Emergências, UTIs e Blocos Cirúrgicos. Neste caso, o setor de Bacteriologia do Laboratório dá uma grande contribuição para isso, pois possui vários diferenciais tecnológicos e de expertise pelos quais é reconhecido e tem a confiança do corpo clínico da Santa Casa.
Fazemos um trabalho intenso e constante para agilizar o resultado dos exames bacteriológicos aos médicos, de modo a tratar rapidamente os pacientes e obtermos o melhor desfecho, ganhando também eficiência na gestão dos leitos. Conseguimos esse avanço graças à tecnologia e à qualificação da equipe. O tempo de resposta foi otimizado de 72 horas para 24 horas em vários casos. O equipamento de identificação bacteriana usado, espectrometria de massa, identifica o gênero e a espécie em minutos.
Visando reduzir o custo de antibioticoterapia para a Instituição e para os pacientes, incluímos em nosso rol de exames a procalcitonina, que permite interromper, com segurança, o uso de antibiótico. Em alguns casos, o custo/dia de antibiótico é de R$ 22.000,00. Se conseguirmos diminuir o tratamento só em um dia o exame de procalcitonina se pagou e ainda sobrou recurso.
O laboratório hospitalar deve levar em conta nas suas escolhas o melhor desfecho para o paciente, o melhor resultado para a Instituição como um todo e não olhar apenas para o seu custo.
Nessa mesma linha, realizamos internamente a hemocultura automatizada, cujo custo só do insumo (frasco) é maior do que o valor pago pelas tabelas vigentes de alguns convênios, mas que nos permite dar celeridade à identificação de infecções no sangue antes que se torne letal para o paciente.
Quando há uma boa relação entre o laboratório e os demais serviços de um hospital, tem-se um melhor desfecho clínico, diminui-se o tempo de isolamento dos pacientes, aumenta-se a disponibilidade de leitos, e os gastos com medicamentos são racionalizados.
Equipamento de identificação bacteriana de espectrometria de massa,
identifica o gênero e a espécie em minutos.
Em relação aos prazos, como fica a priorização dentro da rotina?
Para garantir que nossos exames sejam entregues dentro do esperado, criamos sinalizadores de tempo dentro da área técnica. Com auxílio de monitores instalados nos setores, ficamos sabendo se existem análises pendentes para respeitar os tempos predefinidos: 30 minutos para gasometria (exames prioritários), 1 hora para emergências e 3 horas para urgências.
Monitoramos, periodicamente, nossas entregas e, caso os indicadores mostrem alguma inconformidade, criamos planos de ação para melhorias internas.
Como é garantida a qualidade dos exames em uma rotina tão intensa?
A qualidade intrínseca do laboratório deve ser garantida sempre, com equipamentos e insumos reconhecidos pela sua qualidade, pelas suas validações onde aferimos se o desempenho do equipamento corresponde ao esperado e pelos controles internos e externos da qualidade. Monitoramos a qualidade da área técnica diariamente: no início de cada rotina são realizados, no mínimo, dois níveis de controles, um alto e um baixo, e acompanhamos o gráfico de Levey-Jennings para identificar se existem tendências ou infrações a alguma regra estabelecida. Caso algo anormal seja identificado tomamos logo as medidas corretivas.
Quanto ao momento da coleta, no caso de paciente internado, quem faz o procedimento é a enfermagem do setor e, para isso, capacitamos esses colaboradores e os acompanhamos através do indicador de Recoletas.
Quando há um novo colaborador no laboratório, como é feita a sua integração na equipe?
Cada novo integrante da equipe possui um período probatório de 90 dias. O laboratório possui todos os seus procedimentos padronizados e documentados. Assim que o colaborador se apresenta para iniciar as atividades ele tem esses 90 dias para ler os documentos da sua área. Entrevistamos o colaborador aos 45 dias, com foco na política e nos valores do laboratório; no fim do período probatório, a entrevista é com os supervisores da área para garantir que os processos sejam respeitados e que todos os treinamentos iniciais tenham sido realizados.
A qualidade da equipe é indiscutível dentro do laboratório. Como reter tantos talentos?
Acredito que a grande maioria dos colaboradores que se identificam com os valores do laboratório permanecem conosco. Somos inquietos e temos o pensamento científico como norte para buscar sempre novos desafios e inovações no setor. Damos espaço e incentivos tecnológicos para que os colaboradores possam se desenvolver e se destacar. Pessoas que procuram conforto, ou que estão acomodadas na sua função, não costumam ficar muito tempo na equipe.
A casuística dentro de um laboratório de hospital é muito grande e também contribui para a retenção de talentos. Muitos dos nossos colaboradores se destacam no meio acadêmico, escrevendo artigos científicos relevantes. Ainda estimulamos que nossos colaboradores frequentem os principais congressos do setor para constante atualização.
Outra situação importante é dividir o mérito com a equipe. O Dr. Carlos criou a cultura de reunir todos os colaboradores e reconhecer o esforço dos envolvidos sempre que éramos homenageados ou citados por algum trabalho. Essa cultura permanece.
Discutimos várias vezes sobre os valores do laboratório. Quais são eles especificamente?
Ética, misericórdia (no sentido de compaixão), equidade, humanismo, credibilidade, pioneirismo e história. A Santa Casa foi fundada para atender pessoas que não possuíam condições de cuidar da própria saúde, devemos honrar esta missão.
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