Não é de hoje que tomamos conhecimento das mais variadas formas de adulterações de laudos de HCG, seja como meio de salvação do falido relacionamento, seja para garantir descabida estabilidade no emprego ou, ainda, como forma de afastamento da “gestante” para um longo descanso doméstico em tempos de pandemia.
É por sugestão da amiga Daniele Drozino, então, que analisamos os aspectos jurídicos da dicotomia entre laudos disponíveis na Internet e adulteração de seu conteúdo. É lógico, e tal ponto já foi objeto de apreciação neste espaço, que a responsabilidade pelo acesso ao conteúdo do laudo é exclusiva da paciente a partir do momento em que a ela é disponibilizada uma senha.
O fato é que a obtenção de um arquivo de imagem, facilmente manipulável, se constitui em tentador artifício a ser utilizado por quem carece de mínimo bom senso, esperteza e boa fé.
Frequentemente somos questionados por laboratórios de análises clínicas que buscam medidas a serem adotadas a partir do momento em que tomam ciência da adulteração de um laudo seu. Nada de muito a se temer, já que é bastante simples a demonstração de que o Laboratório não tomou parte na violação de sigilo ou fraude mediante alteração de conteúdo de documento.
Estando claro que a fraude ocorreu em momento posterior à disponibilização do laudo – e tal vale para todo e qualquer teste realizado pelo laboratório – basta ao gestor laboratorial formalizar um registro de ocorrência policial, narrando o ocorrido. Neste caso, é recomendável omitir o nome do paciente, desde que não seja ele o fraudador ou beneficiado pela fraude.
A situação atinge níveis mais preocupantes quando se está diante de evidências no sentido de que a fraude foi perpetrada pessoalmente ou com a participação de funcionário do Laboratório pois, aí, estão envolvidas questões de natureza trabalhista que devem ser muito bem tratadas.
A primeira recomendação é na via de JAMAIS se promover acusações ou mesmo se impor responsabilidades sem a devida comprovação inquestionável da pessoalidade, sob pena de trazer para si o Laboratório um risco de condenação indenizatória por danos morais sofridos pelo empregado. De outro lado, assim como em todos os casos de demissão por justa causa, não se recomenda seja esta penalidade aplicada sem que exista prova concreta da autoria.
E veja-se: por “prova concreta” se deve entender o aparato documental lícito que não possa ser objeto de impugnação plausível; a opinião ou “dica” de terceiros não são prova para fins judiciais. Saiba-se que praticamente todas as demissões por justa causa encontram abrigo posterior na Justiça do Trabalho, seja com pedido de reversão do motivo da extinção do contrato, seja com pleito de pagamento de indenização por danos morais.
A justa causa, então, ainda mais em casos onde grave é a acusação de fraude/adulteração de documento, somente pode ser aplicada quando ausente qualquer dúvida a respeito da autoria e, sobretudo, seja o empregador capaz de comprovar esta certeza posteriormente em Juízo.
Outro aspecto do tema relacionado à adulteração de laudos diz com a postura do gestor laboratorial diante de terceiros que possam ter sido prejudicados ou estiveram na eminência de sê-lo. Muitos são os casos de empregadores que entram em contato com o Laboratório para o fim de confirmar a legitimidade de um ou outro laudo: o sigilo profissional não pode ser “quebrado” tão somente pela dúvida de fraude ...
Mas é claro que o Laboratório está plenamente autorizado a informar que “este laudo não consta em nossos registros”, por exemplo. Existem formas de prestar uma informação sem que se viole o sigilo e sem que, indiretamente, se acoberte a prática de um crime.
Como diziam os povos nórdicos, todo cuidado é pouco quando se está lidando com malandro. Talvez a alternativa seja banhar-se de um certo grau de malandragem...
Daniel Corrêa Silveira, é Advogado Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Proprietário da Daniel Correa Assessoria Jurídica Laboratorial, Assessor Jurídico da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas - SBAC, da Confederação Nacional da Saúde-CNS e da LAS-Laboratórios Associados.
Contatos: (51) 99563.8988 e contato@danielcorrea.com.br
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